Um vinho, um livro #1
As páginas de Tudo Que Já Nadei, de Letícia Novaes, e o vinho Litoral têm algo em comum: respiram mar.
Quem acompanha a cantora e escritora Letícia Novaes, a Letrux, sabe que há muito de mar nela. Seu segundo livro, Tudo Que Já Nadei — Ressaca, quebra-mar, marolinhas (Planeta), deixa isso em evidência. Nada melhor do que combinar a leitura com o Litoral (Ventolera Wines; safra 2018), um dos sauvignon blancs mais saborosos que já tomei e que tem uma característica em comum com autora e obra: respira mar.
SOBRE O LIVRO
Tudo Que Já Nadei é o segundo livro de Letícia Novaes. O primeiro foi Zaralha — Abri minha pasta, de 2015, uma reunião de pensamentos, provocações, brincadeiras e revelações em textos curtinhos. O barato do novo livro, uma coletânea com textões (ressaca), poemas (quebra-mar) e aforismos (marolinhas), é que ele revela um pouco mais sobre a artista, especialmente na primeira parte do livro.
São histórias de família, de dores (como a morte da prima) e amores/paixões (ela conta que só se afogou uma vez na vida, quando o sujeito disse que a amava em pleno mar e ele mesmo a salvou, mas isso não fez com que o amor fosse correspondido, acontece), dilemas da vida adulta, o dia a dia — como chorar no Uber ao passar pela orla depois de 3 meses sem ir ao mar ou ouvir conversas alheias na praia, no ônibus... Mas acima de tudo, é um livro sobre a relação dela com a água. Não há Letícia sem mar.
Em quase todos os textos há água. Ela conta que tem hábito de elogiar o mar em voz alta quando vai a praia. Diz que “quem estiver perto se assusta ou se contagia” com tal atitude. Confessa que, por mais insuportável que ficasse, até poderia sobreviver sem sexo e outros prazeres da vida, mas “já sem mar, não seria possível ficar em pé. Eu só fico em pé se há a garantia lisérgica de que vou me ajoelhar em água salgada”.
Letícia escreve como quem conversa e isso é muito ela. A verve sagaz, irônica, humorada da artista faz o texto parecer um papo na praia, na piscina ou ao telefone com uma amiga. Uma conversa em que você ri, chora, tira sarro de si, do outro, se arrepende, se coloca lá em cima, não sabe o que fazer, abre o jogo.
Parece também aquela ida à praia em que você diz “vai ser um mergulho rápido”, mas quando vê, está parada no meio do mar, longe dos outros, olhando o horizonte e (re)pensando a vida toda. Mas sem bad vibes. O mar clarifica. Ou como escreve Letícia: “o mar é um amor que dá certo”.
SOBRE O VINHO
A primeira vez que tomei o Litoral, rótulo da Ventolera Wines, foi no início de 2020, com minha chefe e minha colega no Ça Va Wine Bar, no Itaim, em São Paulo. Era fim de mais uma noite de anotações, exposição de garrafas e conversas de como apresentaríamos os vinhos aos clientes.
No primeiro gole, ele rapidamente subiu posições no meu ranking de brancos, em especial, os feitos com sauvignon blanc. Há muito um vinho dessa uva não me causava surpresa. Costuma ser uma sensação ótima essa.
O Litoral (quem traz ao Brasil é a Wine & Co.) é um vinho branco aromático e muito refrescante que tem um equilíbrio delicioso entre acidez (alta), fruta, mineralidade e com um toque salino marcante. É produzido no Valle de Leyda, no Chile, região ótima para uvas como pinot noir, syrah, chardonnay e a própria sauvignon blanc.
A vitivinicultura na região foi reconhecida somente em 2002, o que representou uma grande inovação na produção de vinhos no Chile.
O vinhedo da Ventolera fica em San Juan, a 12 km do Oceano Pacífico. A temperatura baixa da região ajuda a concentrar sabores e manter alta a acidez natural. De lá saem vinhos com mineralidade (graças ao solo granítico), complexidade e elegância. O Litoral não passa por madeira, ficando 3 meses em contato com as borras em aço inox (vai ajudar no frescor e a dar mais textura à bebida).
Outro ponto que torna a vinícola é interessante é que ela trabalha com agricultura sustentável. Ali temos captação de energia eólica, energia solar e reaproveitamento da água da chuva, entre outros.
Se fechar o olho ao encostar o nariz na taça, grandes são as chances do aroma salino te teletransportar para a frente do mar. Não parece má ideia, hein?